Terça-feira, Setembro 23, 2025

ENTREVISTA: Rui Alves, 4 décadas a fazer os outros felizes

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O AlbiNotícias conversou com o artista Rui Alves, natural de Sobral do Campo, que conta já com 42 anos de carreira musical a atuar nas festas populares e junto das comunidades.

Como iniciou o seu percurso na música e na concertina?
Nasci em Sobral do Campo, distrito de Castelo Branco, Beira Baixa, a 3 de agosto de 1970. Desde muito novo, a música esteve presente na família: o meu pai, Manuel Luís, era acordeonista da velha guarda beirã e foi quem me deu as primeiras lições. Mais tarde, complementei a formação com o professor e renomado acordeonista beirão Manuel Augusto, que dava aulas na orquestra típica Albicastrense. Aos 13 anos comecei profissionalmente: animava festas, feiras e romarias, primeiro na Beira Baixa, depois noutras regiões de Portugal, e a partir de 1994 em França, e depois em todas as comunidades portuguesas a partir de 1997, quando obtive o meu sucesso maior “Fadinho Trocado” que esteve no “Made in Portugal” da RTP1, nessa altura já tinha mais de 10 albúns gravados, mas com um exponencial número de vendas, este tema deu-me maior visibilidade. Em 1999 fiz a primeira tournée fora da europa, na Venezuela, onde participei em programas de Televisão e rádio e onde gravei 4 albúns com a chancela da editora Sonnomundo, segiu-se os Estados Unidos, Canadá e Austrália, onde também saiu um CD duplo.

Quais foram as maiores influências na sua formação musical?
As influências mais fortes vieram da tradição popular beirã: música das festas, danças tradicionais, o acordeão, a concertina, o canto popular. O meu pai, como acordeonista, deu-me as primeiras bases; o professor Manuel Augusto reforçou essa tradição. Também foram importantes os estilos que se escutavam nas festas populares – os malhões, viras, marchas, etc. A própria diversidade da música popular portuguesa, das várias regiões, influenciou-me, não só da minha Beira, mas de bastante mais longe, a destacar a música do Minho e Alentejo, onde bebo muitas influências.

Lembra-se da sua primeira atuação pública? Como foi essa experiência?
Sim, foi jovem – já aos 13 anos comecei a animar festas, feiras e romarias, com a concertina/acompanhamento, ainda só em acústico. Das primeiras festas lembro-me com carinho do grupo onomástico os “Manueis” de Tinalhas, para os quais fiz uma marcha e todos os anos era o animador convidado. Foi uma fase de muito entusiasmo mas também de nervos – eu sabia pouco, mas tinha vontade de aprender e de viver a música junto das pessoas. Fazia tudo com simplicidade: cantar, tocar para um público que gosta da música tradicional, e isso deixou-me uma grande motivação para continuar.

Como descreveria o seu estilo musical?
O meu estilo é profundamente enraizado na música popular portuguesa, com especial influência da Beira Baixa. Procuro misturar tradição com alguma modernidade: uso arranjos que, embora simples, valorizem a concertina, acordeão, guitarra, cavaquinho, mas também algumas influências de instrumentos ou técnicas mais modernas (como teclados, sequenciadores) quando necessário. Atualmente, usamos ferramentas de Inteligência artificial para a escolha de instrumentos virtuais e para a masterização. Também há presença de humor, de irreverência nas letras, de festas populares — música para dançar, para rir, para sentir a pertença.

Que temas ou emoções procura transmitir através das suas músicas?
Quero transmitir várias emoções: alegria, nostalgia, amor pelas raízes. Também procuro contar histórias simples do dia a dia, histórias de festa, de gente comum, de comunidades portuguesas, com uma pitada de humor. Há temas de crítica social, sátira política, mas sempre no registo da música popular, acessível. Emoções de ligação à terra, à infância, à convivência nas romarias e festivais. Sem esquecer várias temáticas ligadas aos nossos emigrantes.

Há algum instrumento ou técnica que considere essencial na sua atuação?
Sim: a concertina e o acordeão são centrais na minha música — ambos instrumentos que uso ao vivo. Também aprecio técnicas de arranjo para misturar sons tradicionais com elementos modernos, mas sempre sem perder o carácter genuíno. Em termos técnicos, tocar com alma, sentir o público e dar importância à melodia são coisas que não abdico. Prezo-me por tocar ao vivo, e conseguir transmitir ao público o meu prazer em estar ali , envolvo as pessoas, ponho-as a cantar, faço-as rir.

Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira até agora?

A edição do primeiro álbum oficial, a nível nacional, em 1987, pela editora Dualsom, marcando a minha entrada formal no mundo discográfico. Antes gravava a nível local, o meu pai mandava fazer umas cassestes em Lisboa que ele vendia posteriormente nos mercados e feiras. Esta cassete, pela editora Dualsom passou a ser vendida em todas as feiras do país, e então começaram a surgir convites para atura fora da nossa região, sobretudo para a região norte.

O êxito do disco “Fadinho Trocado” em 1997, que esteve presente em quase todos os tops nacionais, o que foi uma consagração popular importante.

A internacionalização: gravar álbuns em países como a Venezuela pela editora Sonnomundo de Nino Acosta, e as tournées por várias comunidades portuguesas espalhadas por França, Bélgica, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Inglaterra, Canadá, EUA e Austrália

Publicar DVDs para ensinar concertina em casa; isso orgulha-me muito, porque aproxima a educação musical das pessoas, dá-lhes ferramentas para aprender. Além das várias escolas de concertina onde tenho sido professor de concertina com o meu métodod numérico próprio que facilita a aprendizagem da concertina

Como tem sido a receção do público às suas músicas e atuações?
Muito calorosa. Nas festas populares, nas romarias, nas comunidades portuguesas lá fora, o público responde bem — canta, dança, participa. Há fãs fiéis, muitos milhares, espalhados pelo mundo lusófono e também além. Também os métodos educativos têm tido boa aceitação (os DVDs de aprender concertina, e acordeão), mostrando que as pessoas apreciam tanto a música como a possibilidade de aprender.

Tem projetos ou colaborações futuras que gostaria de destacar?
Dos dados mais recentes, editei álbuns novos, continuo a fazer tournées (internacionais e em Portugal), lançar novos CD’s (todos os anos sai um, são já 42 albúns), desenvolver métodos pedagógicos para concertina e acordeão. Talvez novas colaborações com outros músicos, arranjadores ou compositores para trazer também novos sons ou cruzar estilos, mantendo a tradição mas abrindo horizontes.

Tenho também promovido o meu canal do youtube online que tem vários vídeos que já ultrapassaram a barreira do milhão de visualizações. Todas as semanas, às terças, às 20 h, sai um episódio do meu Podcast, onde façço uma conversa com amigos que fizeram parte da minha história. Quem quiser basta escrever no google Rui Alves conversa com… aparecem logo os vários episódios.

Também, em termos televisivos, temos que fazer uma aposta mais consistente. Tenho participado em vários programas da RTP, da Sic, da Tvi. O programa “Preço Certo” onde estive no ano passado dá-nos grande visibilidade e projeção junto das comunidades.

De que forma a sua terra natal, Sobral do Campo, influenciou a sua música?
Sobral do Campo, na Beira Baixa, é o lugar onde nasci e cresci, onde vi as festas, a música tradicional, as romarias, as vozes, os instrumentos antigos, as contradanças. Isso forma-se desde criança e fica para sempre. A cultura local, os sons do acordeão e concertina no convívio familiar e comunitário, tudo isso moldou o meu gosto, a minha forma de escrever música, de cantar, de tocar.

O meu pai tocava também nos ranchos folclóricos da região e eu costumava acompanhá-lo, nomeadamente à Zebreira, onde tocou durante vários anos.

Já em criança, na escola, organizavamos festivais da canção, organizava bandas, fazíamos instrumentos com latas e madeiras, e envolvia os meus colegas de escola nestas atividades. Também jogávamos futebol e fazíamos os tradicionais jogos infantis, mas grande parte dos intervalos era a cantar.

Que mensagem gostaria de deixar aos jovens músicos que estão a começar?

Tenham paciência e persistência: a música popular exige dedicação, humildade e trabalho constante. O caminho faz-se caminhando. O melhor investimento que fazemos em é nós mesmos, na formação pessoal e em fazer as coisas que gostámos. A vida é feita de projectos e um q.b. de ambição também é saudável, sem querer passar por cima de ninguém. Uma coisa de que me orgulho é ter sempre ajudado todos os que me pediam ajuda, nomeadamente na gravação de CD, fiz muitas músicas e ofereci a muitos artistas para gravarem, levei-os às editoras, sem ganhar um tostão, por vezes prejudicando a minha vida pessoal.

Aos jovens que têm o “bichinho” da música tradicional, aprendam bem as raízes, é importante conhecer bem a tradição, os ritmos, os instrumentos tradicionais, ouvir os mais velhos, aprender as músicas do nosso país. Mas não tenham medo de inovar: trazer algo de pessoal, misturar influências, cruzar estilos, desde que se mantenha autenticidade.

Aproveitem oportunidades de aprender (profissionalmente ou por método autodidata), de tocar em público desde novo, de interagir com outros músicos. Como costumo dizer aos meus alunos de concertina, primeiro é preciso gostar, o tal “bichinho da música” que nasce connosco, depois é preciso presistência e aproveitar todas a oportunidades, todas as experiências vivenciadas são aprendizagens, são crescimento. E sejam felizes com o que fazem e façam os outros felizes. Ser artista é uma arte, a arte de fazer os outros felizes, um dos slogans que uso regularmente, porque o importante é ser feliz.

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